28.7.08

sonhos no meu e-mail

(r. c. , com quem eu não sabia que dançaria no sábado, escreveu e me enviou ontem)

era noite e era seu aniversário. estávamos bem longe de novembro. sua casa em santa catarina tinha umas portas de vidro, cheia de retratos grandes nas paredes.
seu quarto ficava ao lado de um banheiro e era bem mais alto do que a casa. eu entrava sem querer e adivinhava umas coisas guardadas em caixas bem finas como as de camisa e aquelas caixas estreitas para teclados. você às vezes entrava e dizia "o que estão fazendo aí? não mexam", com aqueles olhos que você sabe fazer. falava sobre eu conversar com um amigo velho dos seus pais que era médico e cobrava muito caro. falava que ele era muito legal e que poderia nos levar para londres. eu sorria. você depois me disse sobre pessoas sempre deixarem marcas e coisas fora do lugar na casa, depois da festa.
sua mãe tinha umas gaiolas com aqueles arames trançados esquisitos, sem nada dentro, você apontava para os outros.

e a loucura maior veio depois: não sei como, mas espaço e tempo se cruzaram na memória e você - e nós - estávamos em outra casa, não era festa mas os corredores estavam cheios de gente. você era nada mais do que hilda (hilst) e me chamava, pegava nas minhas mãos e dizia: "que unhas!" e outras coisas.

como hilda e ainda guadalupe - e não sei explicar como - você autografava uns livros para enviar para conhecidos; eu às vezes me afastava e ouvia você falar de longe em inglês com um amigo que se vestia com umas roupas brancas e meio orientais.

sentados na mesa, em lados opostos, você me perguntou de qual signo eu era, e me aconselhou a mostrar escritos para você - ela - ler com uns olhos mais maduros. eu não dizia muita coisa, mas concordava. eu sorria e sei lá mais o que fazia - não via meu rosto, mas sabia que sorria - para depois, você, toda eufórica e até mais jovem, me conzudir para uma lan house esquisita e mostrar assim, a esmo - sentada no colo de um moço que já estava lá - umas fotos de procissões, umas fotos de você com os braços enrolados nuns cordões brancos sagrados olhando para o nada e outras coisas assim.

em breve, saíamos dali para andar perdidos pelas calçadas e você a falar que era preciso viver mais fundo e outras coisas que não lembro muito bem porque já estava dormindo na superfície. e fui acordando com as imagens e as palavras muito nítidas de tudo. desci as escadas e agora aqui.
numa quinta-feira chuvosa,
com a boca seca, sem muito questionar por que te escrevo
- depois de tanto tempo.
mas achando que foi tudo muito bonito.

cheetos bola, pipoteca, biluzitos

vou ter que pagar gasolina do carro
vc tem carro?
compro agora em outubro
eu nem sei dirigir e não pretendo ter um carro

carros poluem o planeta
transporte coletivo tbm
com o carro vc chega mais rapido em qualquer lugar
ai que boba haha
pior que domingos sao os feriados
o onibus que vai pra casa da minha mãe
para de porteira em porteira
acho legal
legal?
vc nao fica nem sentado e nem deitado por mais de 5hrs
com crianças chorando
pessoas tossindo
gente comendo salgadinhos fedidos
é, SEMPRE tem alguém com salgadinhos fedidos

23.7.08

palitos

prometemos
telefonemas
numa dessas

noites de carona até
as fronteiras das menores
cidades mais frias


prometemos
machucar
um bocado

no escuro das calçadas
como os palitos
de dente e os pregos


22.7.08

ovos de amendoim

minha vida é bem triste aqui
é?
acho que se adaptar a um lugar novo demora em média cinco anos
cinco anos muito tristes
porra!
cinco anso?
sim
cinco asnos?
cinco aons
mai será?
é, ah, errei a brincadeire
tá na moda
esse e no final né
tipo galere
eu sabia que você sabia
mas eu nem uso, só tou brincando agora
entendi.
mas desenvolva a teoria dos 5 anos
é só que eu demorei em média 5 anos pra me adaptar aos lugares

e percebi que as pessoas normais também demoram
e geralmente resistem e querem voltar nos primeiros anos
vc morou em 4 lugares?
morei em 3 lugares
entao vc tem 15


em dois demorei 5 anos pra me sentir bem
eu me iludi.
fiquei eufórico - primeiro por ter um emprego novamente
nunca pensei coisas do tipo "estou indo pra capital, meu lugar. sou cosmopolita", na verdade me sinto bem baiano aqui. mas achei que poderia ter acesso a coisas bem bacanas
mas minha vida se resume à mesma prostração medíocre

tipo, cultura.
nao vi uma peça de teatro. um filme.
ah, é uma ilusão

pensar que o ambiente muda tudo
fui em dois shows só.
é o que eu penso quanto a morar em sp ou curitiba
sei que vou acabar passando o tempo todo no trabalho e no meu quarto
como eu faço
e, a não ser que tenha companhias muito boas

(que são raras em qualquer lugar do mundo),
não vou sair de casa
afinal não sou do tipo que vai ao cinema ou numa exposição sozinha
agora aqui, na ninha casa, eu tenho até sala. vou ali raramente.


é. aí eu penso que o que importa mesmo é o meu quarto
a cultura tem na internet
e as pessoas são chatas em todos os lugares
e, se for depender delas, vou morrer

aqui são mais
tenho até amigos aqui, mas são aspirações diferentes
sempre acho aqui tudo bem chato.
antes queria um bar que pudesse ouvir samba. aqui tem milhares.

tudo chato.
também tem aquilo de nunca valorizar as coisas
sempre acho tudo uma merda, depois me arrependo por não ter aproveitado
dá vontade de chorar
mas não chore hj nao


é verdade, eu nunca valorizo nada.

tava pensando esses dias. tenho hj um monte de coisa que sempre quis ter: 3 latões de skol na geladeira. ovinhos de amendoim no armário, um computador, óculos, vários sebos a duas quadras de casa
e daí?
a vida é bem cruel

julho de 1986

risonha como sempre


17.7.08

talento

ganhei um mp4 player do paraguai só pra lembrar da incrível sensação de sentir minhas orelhas cuspirem os fones de ouvido pequenininhos. faço até showcases da anomalia. com os dois bem colocados (direito e esquerdo) nos buracos dos ouvidos, sorrio, balanço levemente a cabeça e, em menos de 20 segundos,
puf -
lá vão os fones rejeitados.

8.7.08

atropelando o garfunkel


durante anos observei capas de disco que encontrava pela casa.
eram LPs que àquela altura raramente alguém ouvia
(acho que tinham enjoado)
e eu me arrependo por ter feito o mesmo.
fiquei só com as capas.
o rod stewart e seu terno vermelho em várias poses,
dire straits e as guitarrinhas no fundo azul,
kiss com olhos que brilhavam no escuro,
a rita lee meio na neblina vestida de kate bush,
rolling stones com silhuetas pontilhadas,
os carpenters sempre sorrindo,
o phil collins olhando para o nada e
(alguns tinham dedicatórias)
a maria bethânia sem blusa
coberta de insetos.

a maria bethânia estava sem blusa e coberta de insetos.

outro que muito me assombrava era o art garfunkel comendo codornas.
se você abrisse o disco, o veria chupando os dedos engordurados
e sorrindo com olhos de louco.
se olhasse de perto, veria que ele não tinha um dente.

nunca ouvi. fui ver agora que esse disco existe mesmo, é de 1979 e,
segundo o allmusic guide, um dos piores da carreira dele.

só não consigo achar as codornas que, juro, costumavam estar lá.


29.6.08

perfume de espíritos, tomates que brilham, eternamente sereia, edward grape, gilbert mãos de tesoura

fui pela primeira vez ao cinema porque minha mãe não tinha onde me deixar. eu e meus 6 anos, minha mãe e suas duas amigas. elas tinham cabelos armados e usavam uns coletes marrons e calças de cintura alta. já o rapaz que minha mãe namorava usava calças vermelhas e tinha cabelo comprido. um dia ele levou um super nes pra tentar me conquistar, mas o videogame não funcionou e eu o odiei mais ainda.
em outro, minha mãe disse que iria à farmácia e, quando voltou, eu preocupada avistei o rapaz e suas calças vermelhas. creio que nunca senti tanto ódio e nunca fiz gestos tão obscenos sem medo algum de reprovação. naquele dia fomos assistir a perfume de mulher. não entendi nada e só me preocupei com as balas de iogurte e canela, mas lembro que minha mãe gostou muito. suas amigas também.
vi perfume de mulher pela segunda vez aos 13 anos, quando já sabia quem eram os atores principais. não entendi nada.
alguns dias atrás, ansiosa zapeando a tv do jeito mais rápido possível, esbarrei com o al pacino cego (sim) ensinando tango à moça. depois ou antes, entre um canal e outro, o encontrei de novo numa conversa tensa com seus familiares. foi o bastante pra chorar de emoção. não sei se pelos meus seis anos e a ignorância das balas, meus 13 anos e qualquer outra coisa, minha mãe, que nem é cega, seu antigo caso de calças vermelhas e as amigas com quem perdeu contato ou, sei lá, o chris o'donnell - que nunca mais fez filmes - e o al pacino, que parecia muito cego (mas sabemos que não era).

também tinha a casa dos espíritos na programação dessa semana.

antes eles vinham de uma locadora de vídeo chamada london - que delícia era vê-los nas capas gordinhas de VHS. clássicos familiares cheios de mistério tipo tomates verdes fritos, radio flyer, o óleo de lorenzo, nell, mentes que brilham, minha mãe é uma sereia, feitiço do tempo, morrendo & aprendendo, eternamente jovem, um mundo perfeito. e os jovens charmosos que pretendíamos ser: edward mãos de tesoura, caindo na real, vida de solteiro, três formas de amar, benny & joon, antes do amanhecer, gilbert grape.

arquitetura ou diva

acaba logo esse copo d'água
a sala quando fica escura
quer escurecer sozinha

ao lado de uma sacada
que receberá escondida
a visita tardia da chuva

que planeja a hora certa
pra quebrar seus dentes
num copo d'água

19.6.08

obs

tudo mentira
não sou presunçosa
não como hot pocket sadia todas terças e quintas
não danço sozinha de pijamas marisa
não penso nos espíritos dos amigos mortos nessas circunstâncias

ritmo quente

não. você nunca me verá chacoalhando o esqueleto.
se por acaso viu, é provável que eu esteja em casa
remoendo o constrangimento
OU dançando sozinha
com medo de que amigos que morreram estejam assistindo.



17.6.08

amestrados & platônicos

das metas atropeladas pelos anos, ouvir música brasileira era (é) uma das principais. não (só) porque parece obrigatório conhecer o mínimo, mas porque, puxa, nossa língua é tão poética

(bicho-grilo)

(preconceito).

creio que dar uma chance à mpb não vai instantaneamente me encaixar malabares nas mãos
(preconceito).
então ouço vários discos nacionais no meio do chamber pop (?) de sempre. mas as coisas não mudam de um dia pra outro (e nem precisam) e ainda acabo nos hits baratos, de valor sentimental, da espécie joão penca & seus miquinhos amestrados, prediletos quando eu era criança - e eles atuais.
muito lirismo:

não diga nada para a sua mãe
apague a luz pra eu te ver melhor
eu vou chorar lágrimas de crocodilo
vou inundar o seu umbigo

-

outro dia, me contaram que o bonitão ted bundy (via índice da maldade) continou recebendo cartas de fãs apaixonadas durante anos depois da morte na cadeira elétrica, no dia 24 de janeiro de 1989.
segundo a wikipédia, suas últimas palavras tinham a ver com dar amor pra família e amigos.

franny diz:

"I'm just sick of ego, ego, ego. My own and everybody else's. I'm sick of everybody that wants to get somewhere, do something distinguished and all, be somebody interesting."

"I'm not afraid to compete. It's just the opposite. Don't you see that? I'm afraid I will compete--that's what scares me. (...) I'm sick of myself and everybody else that wants to make some kind of a splash." She paused, and suddenly picked up her glass of milk and brought it to her lips. "I knew it," she said, setting it down. "That's something new. My teeth go funny on me. They're chattering. I nearly bit through a glass the day before yesterday. Maybe I'm stark, staring mad and don't know it."

j.d. salinger
em 1961

12.6.08

como minhas sobrancelhas

por acaso achei uns cartões feios (alguns engraçados, outros não, talvez nenhum) num flickr:






















11.6.08

pijama de sorriso

num roteiro enxuto
há uma cena pra tudo

talvez por isso esse garoto
esprema tanto os olhos


pra cena obrigatória

de adeus ou até outra hora

que acontece aproximadamente
um tempo depois daquela
outra cena

na qual o garoto
radiante sorria
como um desenho de criança estampado num pijama
ou espremia
infinitamente melhor
a parte de baixo da cara